domingo, 29 de maio de 2011

A língua, linguagem e a sociedade

Já li em algum lugar que o que difere uma língua de um dialeto é o fato da língua ser falada por um exército e dialeto ser falado pelo povo. O grego e o latim eram formas de expressão utilizados por soldados de um exército.

Tanto o dialeto como a língua estão ligadas a uma região e a uma sociedade. A sociedade de uma região fala um dialeto que pode se tornar uma língua oficial se a sociedade da região se sobrepor às demais. Tomemos como exemplo o castelhano, que dominou e se tornou a língua da Espanha, desprezado todos as demais regiões e, por conseqüência, dialetos. Temos na Espanha, na região da Galícia, o galego, um dialeto falado até hoje. Dialeto porque na unificação da Espanha a região da Galícia se tornou membro daquele país. O Galego não é português nem espanhol - está entre as duas línguas. É errado falar o galego? Respondo que não - pelo menos na minha opinião - é só um jeito de se comunicar, o que na minha opinião, deve ser respeitado.

A língua, a sociedade e a região são mutantes. Evoluem e se renovam. Se houver um exército que imponha os costumes de uma região sobre a outra, teremos uma língua, se não, teremos um dialeto. O latim, língua falada pelos romanos, se espalhou pela Europa. Uma língua complexa e bem elaborada. Só que difícil de ser falada por causa das declinações, casos substantivos, complementos e modos. Em cada região, adotaram-se certas características da língua latina que se mesclou com expressões regionais e transformou-se nas dezenas de dialetos e as línguas: português, espanhol, italiano, francês, romeno e catalão. Estas línguas eram dialetos de sociedades que viviam em regiões diferentes do Império Romano e que mais tarde formaram exércitos e se tornaram independentes. E estas línguas estendendo-se até as colônias dominadas pelos seus exércitos. 

Interessante notar que quando a língua chega à colônias, adquire uma forma própria de fala e até mesmo de escrita. Formas erradas ou só um jeito diferente de falar? Foi assim que ocorreu com o português, que no Brasil acabou por se transformar em uma língua diferente da falada por nossos colonizadores. Hoje tentamos chegar a um denominador comum na forma culta de falar entre as sociedades, países e exércitos que protegem o jeito de se comunicar. Só que a sociedade consegue ser mais forte do que os exércitos ao impor sua forma de comunicação.

Moro em São Paulo. São Paulo tem um jeito de comunicar que desafia a forma culta e oficial. Temos aqui a flexão do advérbio em gênero. Muita gente culta fala "menas" coisas erradas, mas fala. Uma mulher pode ficar "meia" cansada (seria a vestimenta dos pés usada por muito tempo? - não: um jeito de falar). O pessoal aqui "soa" nas axilas. Minha filha mora em Minas Gerais e ali temos um outro jeito de falar. O mesmo ocorre em cada região e comunidades do país, onde a sociedade se expressa de uma forma. As influências chegam ao gerundismo, tão comum em nossos dias pela tradução literal de expressões - cultas no inglês mas nem tanto no português. Temos o português brasileiro e o português de Portugal. Mas mesmos nestes países, em cada região a sociedade se expressa de uma forma. Errada ou só um jeito de se expressar? Tudo está ligado às influências de imigrantes e de migrantes de influências alienígenas e traços e acesso culturais de uma determinada região ou comunidade, que adquire termos e expressões idiomáticas - gírias - que acabam por fazer parte do dialeto, que nada mais é do que a forma utilizada para comunicação entre os membros de uma sociedade que às vezes é entendida somente por esta comunidade. 

Num tempo no qual execramos o preconceito, devemos respeitar as diferenças. A cor da pele, a opção sexual, o nível social e, porque não, o jeito de falar. O respeito às diferenças deve ser respeitado.

Agora quero ver a mídia e a oposição meter o pau na minha defesa da tolerância lingüística... Pelo menos vou ficar famoso...



2 comentários:

  1. A linguagem é algo muito complexo. Podemos partir da premissa que a linguagem se faz a partir de um comando e de uma reposta. Mais complexo ainda é a linguagem oral, praticada exclusivamente por seres humanos. Chegamos a um ponto que podemos combinar infinitivamente signos (conceito) a significados através de signicantes (a palavra é um exemplo). Pensando na língua como um bem abstrato de um povo no qual há um acordo implícito entre os falantes no que concerne a sua organização (não me refiro à gramática normativa, mas à funcional), temos de analisar a suas variações e transformações por duas perspectivas: diacrônica (variações através do tempo) e a sincrônica (variações coexistentes num mesmo recorte de tempo). Ainda analisando as variações sincrônicas temos de estabelecer um outro critério de suas dicotomia que podem ser: Diatópica (variações geográficas), diastrática (variações de diferentes camadas sociais) e a diafásica (variação do próprio discurso de acordo com a contexto). É importante dizer que essas variações podem interferir na transformações de uma língua ou apenas conviver com ela sem que haja influências significativas através do tempo (é o caso das gírias que aparecem e desaparecem). O dialeto, como você bem citou, geralmente está atrelado à variação diatópica e para ser estabelecida como tal é necessário que haja um norma reconhecida pelos falantes regionais. Já a idéia de idioma parte de um dialeto eleito para representação linguística de uma nação.
    Eu entendo que a norma tanto para dialetos como para idiomas é indispensável a fim de se manter uma unidade linguística de uma nação. Aí você me pergunta: Essas normas são baseadas em quê? Respondo: No falar do povo. Sabe-se que as gramáticas normativas se embasam muito na literatura, que é um registro escrito da língua. Só que não podemos esquecer que até a norma se transforma, para isso temos os acordos ortográficos entre as nações que partilham o mesmo idioma comum.
    O único problema é que essa "norma" não é bem interpretada por grande parte dos falantes, o que gera o "preconceito linguístico". Entendem-se por aí que o que está de acordo com a "norma" é o certo e o que não está é o errado. Esse é ponto fundamental do que conhecemos como "preconceito linguístico".
    O que o atual Governo Federal quis fazer foi dizer foi mais ou menos: "Existe a norma, iremos seguí-la, porém as variantes da norma não são erradas do ponto-de-vista linguístico, é uma fala legítima do povo e precisamos respeitá-la também." - Aí vem o senhores como o Clóvis Rossi, por exemplo, e fala que o MEC quer ensinar errado, sustentando dessa forma, o preconceito o qual o MEC tentavam amenizar.
    Agora como encorajar alunos acostumados aos dialetos regionais a estudar uma língua que eles não se reconhecem? Acho que essa questão se fez tão complexa como a própria ideia de língua e agora estou falando sobre a real ignorância linguística, social e geográfica. Um beijo n'ocê, painho.

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  2. Muito interessante, Erick. Tanto o texto quanto o comentário brilhante da ThaisM.
    Com sua permissão gostaria de postar esse texto no meu Blog, claro que com os devidos créditos, do texto e do comentário.
    Abraço.

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