segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Motorista de aplicativo - Empreendedor ou escravo?


Um golpe recorrente e antigo é a "pejotização" de empregados, que consiste em convencer o trabalhador que, se tornando "pessoa jurídica", irá ser dono de seu próprio negócio, sem ter vínculo com a empresa onde trabalha, podendo prestar serviços a quem bem entender, com liberdade para negociar preços e melhorar seus rendimentos. Normalmente o pobre coitado acredita e cai na armadilha.
Conheci um caso de um ferramenteiro em uma indústria de plástico injetado que foi convencido a montar sua própria empresa e prestar serviços para a empresa onde trabalhava. O coitado passou a arcar com os custos da montagem das ferramentas, não tinha condições de prestar serviços a mais ninguém e devido às dívidas assumidas, não conseguia negociar o preço dos serviços prestados, passando a a trabalhar em horário estendido sem direito à horas extras, décimo terceiro salário ou férias. 

Uma nova modalidade deste golpe são os aplicativos de transporte particular individual de passageiros ensaiando assumir também transporte de cargas. E os aplicativos partem de "verdades" para convencer seus "parceiros".

Dirija quando quiser - Verdade relativa - Você pode escolher o horário no qual irá ligar o aplicativo. Se passar muito tempo sem trabalhar, terá menos viagens e menos chances de faturar, é claro, além de diminuir a quantidade de chamados atendidos, colocando em risco a própria atividade, como veremos a seguir.

Critérios de avaliação  - Possibilidade de descredenciamento - Cada corrida pode ser avaliada pelo passageiro e deve, obrigatoriamente, ser avaliada pelo condutor. A avaliação é feita através de estrelas, indo de uma a cinco estrelas. Esta avaliação é medida pela média de corridas devendo ter mais de 4,6 de média e o critério de cálculo é feito sem muita clareza (objeto de algumas ações judiciais por parte dos motoristas parceiros). Além da média, outros motivos podem ocasionar o descredenciamento: baixa aceitação de corridas, quando o motorista não responde a chamado de passageiro ou cancelamento alto, quando são canceladas muitas viagens, seja lá por qual motivo for, não vem ao caso.
Significa dizer que a única possibilidade de recusar uma corrida, é desligando o aplicativo. Uma vez ligado, você é obrigado a atender qualquer chamada mesmo que distante e ir a qualquer lugar determinado pelo passageiro independente de critério de segurança ou das condições das vias a ser percorridas.
Neste ponto, vemos que a primeira afirmação (dirija quando quiser) não é verdadeira, uma vez que o número de dados interfere no cálculo da média, ou seja, se temos poucas corridas, uma nota baixa ou a baixa frequência de aceitação ou alta de cancelamento terá maior impacto negativo na média obtida, principalmente quando não existe clareza na forma de cálculo efetuado.

Comunicação de sentido único - Verdade distorcida - Aparentemente existe uma perfeita sintonia entre os administradores do aplicativo e os motoristas usuários com comunicação instantânea, o que não deixa de ser verdade. Só que a comunicação é feita de forma automática em apenas um sentido, dos administradores do aplicativo para os motoristas. No sentido inverso, a comunicação é feita através de solicitações efetuadas através do aplicativo respondidas por e-mail, sem possibilidade de comunicação direta, deixando clara a situação de dependência e subordinação do motorista parceiro.

Receita Bruta como base dos cálculos - Verdade omitida - Todos os cálculos são baseados na receita bruta, sobre a qual é calculado um percentual que o "parceiro" paga pela utilização dos serviços do aplicativo. Note que quem "contrata" o aplicativo é o motorista parceiro e não o contrário. Desta forma, se descaracteriza o vínculo empregatício e a contratação do aplicativo é apenas um dos custos dos serviços prestados pelo motorista ao passageiro. Os impostos também são calculados sobre a receita bruta, como todos os demais impostos indiretos (que incidem sobre o produto ou serviço e não sobre a renda) cobrados no Brasil.

Não há formação preços por margem - Possível perda de investimento - Quem estabelece o preço é o aplicativo, em franca contradição com a ideia de contratação dos serviços do aplicativos pelo motorista parceiro. E a política de preços não leva em conta o resultado; apenas a receita bruta. 
Aumentos de combustíveis e lubrificantes são ignorados pelas empresas de aplicativo, já que as taxas são cobradas pelo valor bruto das corridas, reduzindo a margem dos motoristas a cada aumento verificado e, pior que isso, recentemente houve redução do valor cobrado dos passageiros em bairros mais distantes de grandes cidades em nome da "Mobilidade Urbana", para felicidade dos passageiros (que irão pagar menos) e dos próprios aplicativos (que irão faturar mais). Aparentemente, se antes visavam ocupar lugar de táxis, parece agora visar o mercado de passageiros do transporte coletivo de massa, já que se dois passageiros utilizarem o aplicativo, dependendo do percurso, ficará mais barato do que pegar ônibus ou metrô.

Impossibilidade de desistência - Caminho sem volta para alguns - Alguns motoristas, quando podem, saem fora deste negócio. Mas muitos não têm esta possibilidade quando o motorista, para atender as exigências dos aplicativos, para evitar baixas avaliações dos passageiros e acreditando na propaganda dos aplicativos, investem em carros mais novos contraindo dívidas de longo prazo e são obrigados a, cada vez mais, estender seu período de trabalho, havendo quem trabalhe mais de 16 horas por dia para conseguir o mínimo para pagar a dívida assumida e sobreviver com cada vez maior dificuldade.

As empresas que trabalham com aplicativos são multinacionais poderosas que chegaram para modificar conceitos sobre transporte urbano, pressionando autoridades e forçando o caminho com um poderoso lobe atuando sobre autoridades governamentais. O motorista é uma pessoa física com quase nenhum recurso e sem condições de sequer pensar em negociar com as poderosas empresas que impõem determinações visando sempre seu próprio lucro, sem preocupação com os que chamam de "parceiros", que não conseguindo se livrar da "parceria", é obrigado  a trabalhar cada vez mais em condições cada vez piores.