domingo, 24 de junho de 2012

O pecado do Bispo de São Pedro


O fato:
Sexta-feira, 15 de junho de 2012: em Curuguaty, próximo à Assunción, Capital do Paraguai (cerca de 200 quilômetros), o Grupo Especial de Operações (GEO), da Polícia Nacional, um grupo altamente qualificado e treinado na Colômbia, se encaminha para o cumprimento de ordem judicial para desocupação de parte da Fazenda Morombi, com cerca de dois mil hectares, pertencentes ao Estado paraguaio e ocupada há algum tempo pelo latifundiário Blaz Riquelme e cai em uma emboscada do grupo campesino que a ocupava, provocando a morte de 17 pessoas, sendo seis policiais e 11 campesinos, além de cerca de 50 feridos, provocando a queda do Presidente paraguaio Fernando Lugo em um prazo inédito de 30 horas.

O incrível, de toda esta história, é que um grupo policial militar com tanto preparo tenha sido vítima de uma ação tão primária. Existem suspeitas que houve sabotagem interna com o fim deliberado de provocar a queda do presidente.

O cenário:
O Paraguai é um país com extrema concentração de riqueza. Alfredo Stroessner assumiu o poder em em um golpe militar em 1954 e foi derrubado em 1989, após 35 anos de sucessivas eleições vencidas com certeza de fraudes eleitorais, por um outro golpe militar. Os autores do golpe militar que derrubou Stroessner foi liderado justamente por membros do governo, do empresariado paraguaio e de setores de seu próprio partido (Colorado), que se uniram aos militares. Não se tratou propriamente de uma modificação no status quo do poder paraguaio, mas a implantação de um regime que permitisse a alternância do mandatário de acordo com os “interesses nacionais”, assim entendidos aqueles que satisfizessem à oligarquia paraguaia.

A história do Paraguai se pauta por uma sucessão de ditaduras. Desde a sua independência da Argentina, em 1811, tendo sido destruído por uma guerra suja em 1840, quando Brasil, Argentina e Uruguai se uniram (com o apoio da Inglaterra) para depor o ditador de Francia e, mais tarde houve a guerra do Chaco, quando Paraguai e Bolívia disputaram aquele pedaço de terra.

Desde a sua independência, a história do Paraguai tem sido marcada por ditaduras, golpes, assassinatos e corrupção. Prevalece a lei do mais rico e mais forte.

O Bispo:
Fernando Armindo Lugo de Méndez era o antônimo dos políticos paraguaios. De origem humilde, se dedicou à religião, tornando-se padre em 1977. Fernando Lugo se dedicava aos pobres e era um padre adepto da Teologia da Libertação, muito próximo a D. Hélder Câmara, Frei Betto e admirador de Leonardo Boff. Mesmo assim se tornou Bispo da Diocese de San Pedro (Ironicamente, Curuguaty fica em San Pedro). Mas sua atuação religiosa foi curta, pois em 2004 o Bispo foi aposentado sem maiores explicações e o seu título hoje é o de Bispo emérito. Ao que tudo indica, sua aposentadoria foi consequência de pressões políticas das oliguarquias paraguaias. E este foi o presidente eleito do Paraguai. Só que não conseguiu maioria no Congresso.

O pecado:
Existe um organismo que une os países sul americanos, a Unasul, cujo objetivo é a integração entre seus membros. Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela são países democráticos com forte tendência social. Não podemos dizer que seja exatamente o que deseja a oligarquia paraguaia, cuja economia se baseia principalmente na agricultura, dominada por multinacionais como a Monsanto e a Cargil, que dominam a União de Grêmios de Produção (UGP), que é a proprietária do jornal ABC Color, forte opositor do governo de Lugo. No ano que vem, está prevista eleição no Paraguai e era imprescindível fazer alguma coisa para evitar o fortalecimento de Fernando Lugo, que poderia até conseguir maioria no Congresso, facilitando a conquista de seus objetivos políticos de tornar o Paraguai uma nação mais igualitária contrariando, portanto, os interesses dos agentes econômicos paraguaios.

O contraponto à Unasul, é a Aliança do Pacífico, com o Chile, Colômbia, México e Peru, que tem como objetivo a integração financeira e de capitais e integração física, principalmente no setor energético para a América Latina. Tem apoio dos Estados Unidos e também da Espanha. A cooperação abrirá as portas do Pacífico a bases militares estadunidenses, das quais o Congresso do Paraguai aprovou a instalação de uma delas, localizada no Chaco, que é a fronteira do Paraguai com Brasil, Argentina e Bolívia, onde multinacionais americanas pretendem instalar projetos agropecuários. Naturalmente que o Presidente Fernando Lugo poderia dificultar tal projeto.

O grande pecado de Fernando Lugo é justamente o de dificultar as ambições dos investidores do Paraguai, com as suas ideias de justiça social.

Pelo seu pecado, foi utilizado o artigo 225 da Constituição Paraguaia, que determina que o presidente pode ser deposto por "mal desempenho de suas funções", mesmo que contrariando o artigo 17 da mesma Constituição Paraguaia que garante o direito à defesa.


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