O Brasil está saindo da atual crise econômica mundial fortalecido em relação aos países desenvolvidos, na avaliação de especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
A análise da situação da economia brasileira foi feita a pedido da BBC Brasil, que publica a partir desta segunda-feira, até o dia 24 de setembro, a série "Depois da Tempestade", um especial com um balanço de um ano de crise econômica.
Segundo os especialistas, neste último ano, o Brasil não foi poupado da crise, como esperavam os defensores da teoria do "descolamento", mas se prepara para sair da recessão com indicadores relativamente saudáveis quando comparados aos das principais economias do mundo.
Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) preveem que o país, ao lado de outros emergentes, se recupere da crise mais rapidamente e também amplie a margem de vantagem em relação ao crescimento dos países ricos.
No entanto, mesmo com o crescimento econômico relativamente acelerado, o Brasil e outros emergentes ainda lutam para ter mais voz política em organismos e grupos internacionais como o FMI e o G8.
Vantagem
O FMI prevê que as economias emergentes crescerão 1,5% neste ano, enquanto os países desenvolvidos terão retração de 3,8%. Em 2010, quando as economias avançadas devem crescer 0,6%, segundo o FMI, os países emergentes estarão crescendo quase oito vezes mais rápido: a 4,7%.
Antes da crise, os países emergentes já vinham crescendo mais rapidamente do que o mundo desenvolvido, mas em uma escala menor. Em 2007, os países emergentes registraram aumento de 8,3% - três vezes mais acelerado do que o crescimento de 2,3% das economias avançadas.
O Brasil se encaixa nessas previsões. Segundo o FMI, a economia do país deve cair 1,3% em 2009 - menos da metade do ritmo das economias avançadas. No próximo ano, a economia nacional cresceria 2,5% - mais de quatro vezes o ritmo dos países ricos.
As projeções do FMI são bem menos otimistas do que as do governo brasileiro que prevê crescimento de cerca de 1% para 2009 e de 4,5% para 2010.
Endividamento
Para o analista de América Latina do Deutsche Bank, Gustavo Cañonero, a região foi fortemente afetada pela crise econômica mundial, mas o Brasil e alguns países latino-americanos apresentam duas características que os tornam menos vulneráveis do que as economias ricas.
"Em primeiro lugar, a região tem menos dívidas no setor público e privado", afirma Cañonero. Os países ricos aumentaram muito o seu endividamento público com pacotes fiscais e de estímulo à economia, mas na América Latina e em outros países emergentes o endividamento é baixo.
"Hoje o Brasil tem um histórico muito bom em comparação com as economias desenvolvidas", diz Cañonero.
Segundo um relatório recente da OCDE sobre o Brasil, "a relação dívida pública/PIB deve manter-se próxima de 40% do PIB em 2009 - e depois deve cair gradualmente para 35% no médio prazo".
Enquanto no Brasil a perspectiva é de queda, nos Estados Unidos, que desembolsaram bilhões de dólares para ajudar o setor financeiro a sair da crise, a tendência é de aumento. Os americanos viram sua dívida pública aumentar de 65% do PIB no final de 2006 para 70% em 2008. A previsão da Casa Branca é que a dívida pública atinja 90% este ano e passe de 100% em 2011.
Na Grã-Bretanha, outro país que gastou muito com pacotes para o setor financeiro, a dívida pública aumentou de 43% do PIB, no final de 2008, para 56% em julho passado. Um instituto independente prevê que o índice chegue a 83% até 2012.
Commodities
O segundo fator, segundo Cañonero, é que os países emergentes são grandes produtores de commodities, vistas como investimentos seguros no longo prazo. No começo da crise, o preço de muitas commodities caiu drasticamente, afetando também grandes exportadores como o Brasil.
No entanto, alguns preços já voltaram a subir. De dezembro até junho, o preço da soja subiu 60%. Segundo a Economist Intelligence Unit (EIU), o preço geral das commodities comercializadas pelo Brasil está crescendo no segundo semestre deste ano, graças à China, que está aumentando suas importações.
"Países emergentes são vistos como produtores de commodities e com baixo nível de endividamento, em um mundo em que os países ricos estão aumentando suas dívidas exponencialmente. Também são associados a contas externas saudáveis, com altos níveis de investimentos diretos estrangeiros", diz o analista do Deutsche Bank.
Além das commodities e do baixo endividamento, a Economist Intelligence Unit, que, recentemente revisou de 2,7% para 3,3% o crescimento do Brasil em 2010, aponta um terceiro fator: o sólido sistema financeiro brasileiro.
"O sistema financeiro [brasileiro] é muito mais dominado por capital brasileiro do que por capital estrangeiro, e isso se provou uma vantagem já que sistemas dominados por bancos estrangeiros estão diminuindo severamente", diz Justine Thody, diretora regional de América Latina da consultoria.
Perigos para o Brasil
Para o professor de Relações Internacionais Andrew Hurrell, especialista em Brasil da universidade britânica de Oxford, a crise econômica criou desafios e oportunidades para que o país aumente sua participação nos centros de decisão do poder.
"Recentes análises do papel do Brasil no mundo são cada vez mais otimistas - e com bom motivo. O Brasil de fato estabeleceu-se como um 'player' importante e influente na política mundial", escreveu o professor em um recente artigo sobre o papel do país no mundo.
No entanto, ele alerta que uma recuperação muito acelerada da economia mundial diante da crise poderia prejudicar as ambições brasileiras, já que os países ricos poderiam voltar à normalidade, sem promover reformas que ampliem a voz de países emergentes nos centros internacionais de decisão.
"O Brasil seria prejudicado no caso de a economia mundial não conseguir se recuperar. Mas suas opções também seriam restringidas em um cenário no qual as principais economias se recuperassem sem uma reforma séria. Em um cenário assim, as ortodoxias liberais de mercado se manteriam dominantes", escreve o professor.
"Depois de uma corrente inicial de pedidos por regulamentações mais profundas e firmes, já há sinais de uma atitude de 'volta à normalidade' tanto nos Estados Unidos como na Grã-Bretanha."
Justine Thody, da EIU, também alerta para o fato de que mesmo tendo se fortalecido diante da crise em relação aos demais países, o Brasil ainda não é um "grande tigre".
"O Brasil ainda tem problemas enormes em várias áreas, como terrível infra-estrutura, um enrolado sistema tributário que não é atraente para investidores, baixos níveis de educação dos trabalhadores em geral - apesar de alguns bolsões de excelência - e serviços públicos muito pobres."
Fonte: BBC - Brasil - Notícias
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